quarta-feira, 31 de agosto de 2011

homenagem 4

visita a Orides Fontela

a casa de Orides Fontela
está sempre aberta em portas
não há tropeçar nos degraus            pra ninguém
escadas de par em par
absorvem Orides Fontela
sorvendo café com açúcar
no sofá coberto de nuvens

a casa de Orides Fontela
só possui duas xícaras de café
e um móvel que se absolve
na tristeza do olhar de Orides
de um crime que não cometeu
agulhas de tricô fogão de três bocas
as obras completas absorta

a casa de Orides Fontela
tão simples como ela é
conta um conta dois passa quatro
anos e meio que não desmorona
na cabeça de Orides Fontela
suspensa naquele prego
segurando o retrato de Orides          Fontela

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

honenagem 4

um retrato colorido para ana c

o meu sol
e o seu
no céu
são diferentes

o meu é só
o sol
e brilha
ao léu
pra toda gente

o seu é mais
nào é só
um só
que fica
e parte
e brilha

inteligente
destila
pedaços
pequenos
pedaços
no céu
em trilha
partilha

o meu enquanto
parte
ilumina
uma outra
parte

o seu partiu-
se
em sóis
diminutos
sós
poemas
em arte

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

amaroamor 6


louva-a-deuses

os lobos sabem amar
e mordem com seus dentes
na hora de se beijar
a boca de seus amantes
com gosto de vinho

o gesto divino
de arrancar a carne
e beber o sangue
que jorra debaixo dos pelos
do pescoço de seus amantes

salivar mastigar triturar
e provar o gosto
e aprovar o gesto
de estocar a espada
no coração de seus amantes

antes
        no coração
                        antes

e isto também é amor

domingo, 21 de agosto de 2011

amaroamor 5

o amor é um objeto todo feito de palavras

o amor é um objeto
todo feito de palavras
    cada palavra
        precisa
            mente
               colocada
                   revela o amor


do que é feito o amor
você me pergunta
    o amor é feito de palavras
    e outras coisas impossíveis
    são

por isso
quando você ama
se você pega uma palavra
e troca por outra
que já não soa tão bem
pode ser um desastre
e até o fim da nossa vida juntos
meu bem
    o amor desmorona
    como um dicionário
    todo feito de palavras
    sem sentido

grandes cartazes luminosos
anunciam o amor
proclamam o amor
vendem o amor
    a prestações de casa própria
    ou em pequenas prestações
    você pode pagá-las
    o amor é só palavras

o amor é muito simples
:
se você fala A
é O
se você fala O
não é A
é I
se você fala A e O
não é A
nem T
é A e O mesmo
etc


o amor é muito simples
pra quem conhece os códigos
e eles estão escritos
em todas as paredes
talvez com tinta
talvez com mijo
talvez com sangue
talvez sem nada
    em uma letra
    mais bonita que a dos cartazes

o amor é todo feito de palavras
não há nenhuma brecha
nenhum espaço
nenhuma réstia que seja
pra outra coisa
que não seja palavras no amor

fale
fale muito
fale bastante enquanto ama
mas fale as palavras certas
pois
quando vindas das entranhas
abarrotadas de desejo
as palavras ganham um novo sentido
tomam uma nova vida

e se você disser só uma
    quem sabe
        eu serei salvo

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

amaroamor 4

todas as coisas estão
dentro das outras
para ser

a água no gelo
o arrepio no pelo
o uísque
na dor de cotovelo

é
o gelo que se transforma em água
a cor que se transforma em sombras
e o amor que sinto por você

sim
o amor
que brota dentro do meu estômago
do lado direito do pão
que acabei de engolir

simples broto
talo
me dando cala
frios
quando (não muito)
falo

terça-feira, 16 de agosto de 2011

viver entre as gentes 3

uma ave mergulha no mar tentando pegar um peixe 
um peixe pula fora dágua
querendo ser ave

um homem 
mergulhado em pensamentos
pulula 
num oceano de indiferenças

sábado, 13 de agosto de 2011

viver entre as gentes 2

estendo minha mão aberta

para um homem que caminha
em minha direção

mas ele está alerta
e finge que não vê
vira a face e passa depressa

manterei o meu gesto

        suspenso

até que a paisagem
se confunda com a minha mão

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

viver entre as gentes

poemas fracionados 3

números

1.

quando estou cansado
e deito no escuro do meu quarto
eu só penso em números

quando estou andando
pra ficar muito cansado
eu só penso em números

número de vezes que eu queria
número de vezes que eu sonhei
número de vezes que eu bebi
número de vezes que eu pensei

em números

2.

quando estou trancado em casa
procurando suas pistas
eu só penso em números

quando eu passo nas esquinas
tropeçando em sua visita
eu só penso em números

eu conto todos os segundos
em meço todos os espaços
eu desconto topos os tropeços
eu me afogo em números

em números

sábado, 6 de agosto de 2011

poemas fracionados 2

esboços de um dia

   manhã

1.
um fogo vem do céu e cai em mim
é o primeiro raio da manhã
não sei por que me sinto tão feliz assim
se a vida é vã

2.
o raio da manhã acorda o louco
que esconde um pouco da loucura de manhã
enxuga os olhos faz café um pouco
pensa na vida
      pensa na diva 
            foge do divã

3.
saio pra rua e volta tudo um pouco
a ser como era antes da manhã
já não me sinto tão feliz assim
e o mundo volta a bater este liquidificador em mim

    tarde

de onde vem esse sono

o pássaro atravessa a praça
voando me vê do outro lado
e dentre todos que passam
apressado me escolhe

de onde vem esse sono
essa vontade de dormir

de onde vem o tiro não sei
de uns olhos talvez de um suco de laranja no balcão
o projétil que me fere certeiro
no nariz que coço no bocejo
não quer saber de meus projetos
me atira no chão

no meio da tarde me dá essa vontade louca de dormir

    noite 

dos homens sai uma fumaça escura 
escorre e corre e tenta 
(cera-ouvido) e cobre a rua

mas não consegue encobrir o céu 
descobre a natureza morta seu papel

o sol se deita
ajeita a cama linha torta o horizonte
é noite

dentro em pouco tempo 
com o desligar dos aparelhos
se ouvirão sinais
no andar de cima cessarão os pés de andar
e no de baixo há um desligamente de vontades

há muito tento conviver com o dia
mas quando acende a pirilampa estrela
sei que é tarde 
e enquanto apagam a última luz que pagam
que já é cedo demais

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

poemas fracionados

SOL

só o 
sol
sabe
o que é
queimar 
e arder
e continuar
a viver

MAR

bate
contra
a quilha
que o corta
que ele 
tenta 
abraçar
mas ela
o rasga
pra cicatrizar

TERRA

ter-te
entre
as mãos
e cheirar
o teu cheiro
com cor
e com gosto
um cheiro
que gosto
de cheirar
em agosto

AR

o ar
é o mar
que nos envolve
que alimenta
o sol
e abraça a terra
e passa
como brisa
que fica
aonde passa

terça-feira, 2 de agosto de 2011

sobre poesia 7


arte poética

o poema
cabe na folha
e é maior que o mundo

o poema
acaba na folha
que amassada não serve 

como rolha de champanhe
o poema
talvez resolva o problema

resolvendo o mundo
e envolvendo a pedra
de quebra talvez

quebre a vidraça
que envolve o mundo
e traga a felicidade

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

sobre poesia 6

canto

a poesia é vendida
na prateleira mais baixa
coberta de poeira

a poesia está no canto
no fundo no fundo
no canto da livraria

no final de cada festa
beber o que resta nos copos
largados nos cantos da casa
fumar todas as guimbas de cigarro
amassadas nos cinzeiros da sala

e quando na beira do abismo
os segredos dos que ali estiveram
brotarem no claro da mente
correr para a livraria
se abaixar
e comprar livros de poesia

sobre poesia 5

poemas poemas poemas
poemas se amontoam em minha mesa
alguns em minha cabeça
que nunca serão escritos
eu abro a minha gaveta
e saltam 200 poemas
na porta da geladeira
avisando a hora certa
em que esqueço de tomar o remédio
congelam mais 5 poemas

poemas difíceis demais
(eu mesmo não compreendo
o que me obrigou a escrever isto)

poemas tão delicados
(eu queria ver a tua cara
leitor
lendo poemas tão delicados)

poemas pra não morrer
pra alimentar o mistério 
do monstro de que me defendo 
escrevendo
poemas poemas poemas