quinta-feira, 29 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 14

tão perto do meu desamor

não
eu não valho um queijo
e ela vale a lua
ela vale o preço
que estavam pagando
pra ela fingir
que estava me amando

não
eu não vou à escola
e ela é professora
eu vendi meus livros
pra comprar a rosa
que escondia o anel
e ela disse não

sim 
ela mora embaixo
do meu apartamento
e eu não tenho culpa
se não durmo à noite
e as pessoas só dormem à noite
e ela não consegue dormir

sim 
pois meus pés não param
de fazer barulho
pra ela notar
que eu ainda existo
só mais um palhaço
deste mesmo circo

terça-feira, 27 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 13

amo a minha caneta
como muitos amam as suas carteiras
mas o que posso dizer de seus olhos doces
o que contar de seu corpo delgado
e elegante de manequim
o que falar de sua boca generosa
que se abre em saliva de tinta
a desenhar

seu corpo frio é tão bom de segurar
seus passos retos são os que quero seguir
por isto me perco entre folhas de papel
e sou tragado pelas páginas dos livros
achatado
como a flor que foi colhida na infância
e ali secou
depositada como semente

amo a minha caneta
e o seu brilho é muito bom de ver
quero a minha caneta
como os outros homens querem viver
trago-a sempre comigo
por isto atravesso portas
sem me preocupar se estão fechadas
cruzo ruas e ruas
sem nem sequer olhar para os dois lados
subo escadas e alamedas
e não tenho medo do homem ladrão

mais tarde virá a noite
e cairá também sobre o meu sexo
então descerá a minha mão
que cairá também sobre o meu sexo
e encontrarei o mais doce prazer
esfregando-o com força em movimento
até que daqui
olhando pra minha caneta
escreverei um poema de amor

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 12

ode àquilo que resiste

eu quero cantar
o que resiste
o que brotou da terra
e não tem a terra
como amiga
ou pra quem a terra
não existe
pois só pensa no céu

como o pequeno gerâneo
que brota do sol
que nasce da pedra
e tem a pedra como céu
ou a pedra apenas
como passagem
no caminho do céu

dedico este verso
ao inseto
que foi pisado
pelos pés malvados
apenas porque queria
conhecer o jardim
conhecer o mundo
em que caminhava
sem guarda chuva

a grama do caminho
todos a pisam
todos os homens a pisam
todos os pés a torturam
o padeiro com seu pão
o leiteiro com a carroça do leite
o sapateiro
com centopéias de sapatos
o alfaiate
o soldado
o homem comum
que não fabrica o pão

todos os pés morte
são para a grama do caminho
mas ela resiste
e nasce
entre as pedras do caminho
aonde os pés
são menos intensos
que a chuva
e a chuva
é mais intensa
que a sola dos sapatos
ela não zanga
a grama do caminho
e desenha
um novo caminho
para aqueles que passam
e procuram a grama
pra poder pisá-la

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 11

o poeta está em todas as coisas

esquece
esquece meu nome e aprende o limite de todas as coisas que luzem à minha volta

apaga
apaga meu rosto da tua memória
reconhece que em cada objeto há uma forma que não se parece nem de longe comigo

desprende
meus cabelos dos teus dedos
meu olhar do teu olhar
cuida que teus dedos só toquem formas tão macias e frescas quanto o pão

esvazia
esvazia teu corpo de minha densidade
deixa que a luz pura me penetre
e que eu seja transparente como o calor que vem do sol

esquece
meu nome meu sobrenome
apaga
meu rosto da tua cama vazia
desprende
meus pelos dos teus dentes

me deixa
pois só assim me reconhecerás

terça-feira, 13 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 10

poética

reconhecer o poema
onde não estaria
se atirar como fera
com a alma vazia
sobreviver ao viver
dia após dia
e de tudo isto fazer
uma nova poesia

sábado, 10 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 9

situação

seremos
chamados pelo tempo
convocados pelo destino
vencidos pelo cansaço
vergados pelo peso
tomados pelo medo
mantidos em silêncio
marcados pela vida
esquecidos em algum canto
dominados pelo pranto
jogados para fora
fechados no escuro
presos em separados
mas invariavelmente
resistiremos

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 8

trouxe esta flor para te ofertar uma flor

eis à sua frente
dentre todas as flores
a que mais se parece com um animal

suas patas são martelos
como as patas de um animal
suas garras são tesouras
como as garras de um animal

eis à sua vista
dentre todas as flores a flor
que exala em sangue e cheiro o sangue e o cheiro de um animal

suas patas pesadas são martelos
suas garras afiadas são tesouras
seus silvos são longos e curtos

suas cores
como as cores de um pavão iluminado
são a demonstração do seu poderio

e ai daquele que desavisado
penetrar sozinho em seus domínios
mesmo se sobreviver para estar com ela
mesmo tendo passado por todos os perigos

trouxe esta flor para que um dia eu possa te mostrar uma única e verdadeira flor

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 7

de repente eu descobri 
que o verso é 
no fundo 
mudo

e nada nesse mundo é tão mudo

pois mesmo que em versos
se tenha dito algo
nunca em versos
se terá dito tudo

e esta fraqueza do verso
embora me cause algum espanto
não me destrói na alma o encanto
de escrever poesia

pois minha poesia é de versos

e deveras às vezes 
ela é apenas uma voz
mas diversas vezes 
ela chega a ter encanto

poemas da caixa de papelão 6

eu estou longe de casa
sem dar contas do que faço
e os dragões do meu destino
me alimentam com seus passos

meu caminho é muito longo
pra quem para nos sinais
consciências que não andam
entre o que havia
e o que não existe mais

eles disseram que o tempo era curto
e agora esperam este tempo passar
na sala sentados se matam por pouco
pela simples razão de estar
de estar
de estar

eu estou longe de casa
faz um tempo infinito
e os dragões da minha insônia
me alimentam com seus gritos

o meu sono é pesado
pra quem dorme em travesseiros
consciências que não dormem
entre o que sabem
e o que querem esquecer

eles disseram que o sono era pouco
e sonhavam um dia poder descansar
agora eles dormem no fundo de um poço
sem nunca poder acordar
acordar
acordar

eu estou longe de casa
sem paredes que me prendam
e os dragões do meu futuro
me alimentam com sua ausência

minha fome é muito grande
pra quem come de colher
consciências se devoram
entre o que deve
e o que não deve ser

eles disseram que eu era louco
e por esta razão não podiam me amar
agora eles bebem da loucura um pouco
sem nunca poder se curar
se curar 
se curar