segunda-feira, 24 de setembro de 2012

escrita automática 10

odeo à televisão

todo o primeiro pensamento é sobre pensar que se está pensando
e aí há um segundo pensamento sobre o nada
é quando se pensa se se pode ficar sem pensar
e também se 
pensar que não está pesando é uma forma de se pensar em algo

passado este momento
em que o pensamento é por assim dizer puro
chega o momento de paramos de pensar
e de ligar o televisor
que é uma máquina eficientemente projetada para aniquilar o pensamento
e viajar nas ondas
que foram programadas
para este fim

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

poemas de certo amor 13

o cavalo que morreu na enchente

1.
talvez por falta de pasto
ou curiosidade eminente
o cavalo adensou-se ao rio
cavalgando como um peixe
do casco ao dorso inundado
onde o rio dava a vau
num esforço sobre-humano
ou até sobre equinal
fez sua casa seu quintal

2.
o cavalo chegou a ilha
com o orgulho de Colombo
e ao pisar a sua américa
ali firmou sua bandeira
de matéria tão orgânica
que sequer tremularia
mas mostrou sua presença
transportando pelo vento
todo o olor de sua essência

3.
ilha e cavaleiro cavalo
agora era como um só
ele a amava por seu chão
ela por não estar mais só
assim foi que prometeram
numa noite em que chovia
que se um deixasse o outro
aquele que ali ficasse
atrás do outro partiria

4.
mas a chuva engorda rio
como carne engorda gente
e assi foi que o rio
enchendo-se (gordura de água)
rebentou-se numa enchente
que fez o cavalo ilhéu
prisioneiro como a gente
que vela sua prisão
na própria casa da gente

5.
o cavalo chorava rios
mas o rio tinha certeza
ajudado pelo choro
mais depressa engordava
foi quando o povo todo
vendo o desespero cardo
tentou numa luta em vão
salvar o pobre cavalo
da morte proeminente

6.
o povo não entendia
porque era que o animal
padecendo da ajuda
mais ainda se espantava
parecia que queria
como alguém que partiria
não deixar o seu torrão
por que deve um homem sempre
morrer na terra natal

7.
foi então que a água toda
avolumou-se numa só
e cobriu a irta ilha
como se fosse um cobertor
arrastando o tal cavalo
para as terras de além
como se fosse um navio
um navio de casco furado
que fosse a pique por fim

8.
depois de tudo acabado
quando a chuva enfim parou
encontraram o corpo-cavalo
bem longe do seu amor
inchado roído de peixe
de olhos esbugalhados
abertos fitando o céu
como sempre fitaria
o olhar de qualquer amado

9.
mas se diz que sua alma
nas noites de chuva grossa
vem cobrar uma promessa
da ilha tão mentirosa
cavalgando a noite escura
no dorso da ilha-cavalo
que nunca dali partiu
atrás do equino amado
que na enchente sumiu

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

poema concreto 4

não ode

en     trea     tin     ta     da     má    qui     na
ea     fo        lha    de    pa     pel

o      poe      maé  im    pre    sso

o      poe      ma    éex   pre    sso

o      poe      maé  im     pren  sa     do

ea    lém      dis     s(só)

o      poe     maé   im     pre    ssão

o      poe     maé   ex     pre    ssão

                           im     pre    ci     so

                           di      ver    so

                           in      ven    to

                           sem   pres   sa

o      poe     mau   ten     ti(ti)   ca

o      poe     maé   in       ten    so

                           em     ten    são

o      poe     maé   o       preço

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

poemas de certo amor 12

maior amor

quando eu perder o equilíbrio
tentando atravessar
em dia de vento
sem rede sem cinto
de um prédio pro outro
sem corda ou arame
em cima de um fio
e quebrar o pescoço

meu último pensamento
será pra você

sábado, 8 de setembro de 2012

poemas de certo amor 11

há cinco anos que não faço a barba
e vou ao supermercado e pergunto
para que servem essas coisinhas
quando olho
                quando esbarro
                                     com o carrinho
                naquelas
praqueles aparelhos em forma de T
                que te prometem um imenso carinho
de fazer a barba

mas eu tenho ido ao barbeiro
com alguma frequência uma vez por mês
                pelo menos
porque gosto da minha barba aparada
                 e não sei
                             aparar a minha própria barba
                             que não para e não fica parada
                             de crescer
                 como me livrar do barbeiro

cinco anos indo ao barbeiro
frequentemente uma vez por mês pelo menos
sinceramente é um bocado de tempo
pra você saber
                   do que é que os barbeiros falam
                   o que é que os barbeiros comem
                   quantos filhos tem o barbeiro
5 anos          pra que time o barbeiro torce
                   e aprender
                   perguntar
                   concluir
que a gente nunca vai se livrar
de barbeiro
enquanto tiver barba sempre
ou tiver cabelo quase sempre
que crescem

há cinco anos que não faço a barba
há cinco anos amo a mesma mulher
e não faço a barba
porque minha barba quando está crescendo
ao meu amor
fere

domingo, 2 de setembro de 2012

poemas de certo amor 10

doce carinho

a esta hora da noite

ainda

       lavas a louça

       enquanto

durmo

                         a esta hora da noite

        pressinto

        a tua mão

        a receber detergente

                        a acariciar meus cabelos

                        estão

a esta hora da noite

o resto de comida no prato

já seco

e o raspas          tuas mãos

com a colher       teus dedos

                                que entram debaixo das unhas

                        a acariciar meus cabelos