o cavalo que morreu na enchente
1.
talvez por falta de pasto
ou curiosidade eminente
o cavalo adensou-se ao rio
cavalgando como um peixe
do casco ao dorso inundado
onde o rio dava a vau
num esforço sobre-humano
ou até sobre equinal
fez sua casa seu quintal
2.
o cavalo chegou a ilha
com o orgulho de Colombo
e ao pisar a sua américa
ali firmou sua bandeira
de matéria tão orgânica
que sequer tremularia
mas mostrou sua presença
transportando pelo vento
todo o olor de sua essência
3.
ilha e cavaleiro cavalo
agora era como um só
ele a amava por seu chão
ela por não estar mais só
assim foi que prometeram
numa noite em que chovia
que se um deixasse o outro
aquele que ali ficasse
atrás do outro partiria
4.
mas a chuva engorda rio
como carne engorda gente
e assi foi que o rio
enchendo-se (gordura de água)
rebentou-se numa enchente
que fez o cavalo ilhéu
prisioneiro como a gente
que vela sua prisão
na própria casa da gente
5.
o cavalo chorava rios
mas o rio tinha certeza
ajudado pelo choro
mais depressa engordava
foi quando o povo todo
vendo o desespero cardo
tentou numa luta em vão
salvar o pobre cavalo
da morte proeminente
6.
o povo não entendia
porque era que o animal
padecendo da ajuda
mais ainda se espantava
parecia que queria
como alguém que partiria
não deixar o seu torrão
por que deve um homem sempre
morrer na terra natal
7.
foi então que a água toda
avolumou-se numa só
e cobriu a irta ilha
como se fosse um cobertor
arrastando o tal cavalo
para as terras de além
como se fosse um navio
um navio de casco furado
que fosse a pique por fim
8.
depois de tudo acabado
quando a chuva enfim parou
encontraram o corpo-cavalo
bem longe do seu amor
inchado roído de peixe
de olhos esbugalhados
abertos fitando o céu
como sempre fitaria
o olhar de qualquer amado
9.
mas se diz que sua alma
nas noites de chuva grossa
vem cobrar uma promessa
da ilha tão mentirosa
cavalgando a noite escura
no dorso da ilha-cavalo
que nunca dali partiu
atrás do equino amado
que na enchente sumiu