sábado, 22 de dezembro de 2012

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

estar no mundo 13

eu sou um duplo

ontem no espelho
eu vi um outro parecido comigo
seus gestos
repetiam meus gestos com precisão
no claro
sua sombra me acompanhava
no escuro
eu não deixava de ouvir sua voz

era tão parecido comigo
mas tão parecido comigo
que eu não o conhecia

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 14

tão perto do meu desamor

não
eu não valho um queijo
e ela vale a lua
ela vale o preço
que estavam pagando
pra ela fingir
que estava me amando

não
eu não vou à escola
e ela é professora
eu vendi meus livros
pra comprar a rosa
que escondia o anel
e ela disse não

sim 
ela mora embaixo
do meu apartamento
e eu não tenho culpa
se não durmo à noite
e as pessoas só dormem à noite
e ela não consegue dormir

sim 
pois meus pés não param
de fazer barulho
pra ela notar
que eu ainda existo
só mais um palhaço
deste mesmo circo

terça-feira, 27 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 13

amo a minha caneta
como muitos amam as suas carteiras
mas o que posso dizer de seus olhos doces
o que contar de seu corpo delgado
e elegante de manequim
o que falar de sua boca generosa
que se abre em saliva de tinta
a desenhar

seu corpo frio é tão bom de segurar
seus passos retos são os que quero seguir
por isto me perco entre folhas de papel
e sou tragado pelas páginas dos livros
achatado
como a flor que foi colhida na infância
e ali secou
depositada como semente

amo a minha caneta
e o seu brilho é muito bom de ver
quero a minha caneta
como os outros homens querem viver
trago-a sempre comigo
por isto atravesso portas
sem me preocupar se estão fechadas
cruzo ruas e ruas
sem nem sequer olhar para os dois lados
subo escadas e alamedas
e não tenho medo do homem ladrão

mais tarde virá a noite
e cairá também sobre o meu sexo
então descerá a minha mão
que cairá também sobre o meu sexo
e encontrarei o mais doce prazer
esfregando-o com força em movimento
até que daqui
olhando pra minha caneta
escreverei um poema de amor

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 12

ode àquilo que resiste

eu quero cantar
o que resiste
o que brotou da terra
e não tem a terra
como amiga
ou pra quem a terra
não existe
pois só pensa no céu

como o pequeno gerâneo
que brota do sol
que nasce da pedra
e tem a pedra como céu
ou a pedra apenas
como passagem
no caminho do céu

dedico este verso
ao inseto
que foi pisado
pelos pés malvados
apenas porque queria
conhecer o jardim
conhecer o mundo
em que caminhava
sem guarda chuva

a grama do caminho
todos a pisam
todos os homens a pisam
todos os pés a torturam
o padeiro com seu pão
o leiteiro com a carroça do leite
o sapateiro
com centopéias de sapatos
o alfaiate
o soldado
o homem comum
que não fabrica o pão

todos os pés morte
são para a grama do caminho
mas ela resiste
e nasce
entre as pedras do caminho
aonde os pés
são menos intensos
que a chuva
e a chuva
é mais intensa
que a sola dos sapatos
ela não zanga
a grama do caminho
e desenha
um novo caminho
para aqueles que passam
e procuram a grama
pra poder pisá-la

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 11

o poeta está em todas as coisas

esquece
esquece meu nome e aprende o limite de todas as coisas que luzem à minha volta

apaga
apaga meu rosto da tua memória
reconhece que em cada objeto há uma forma que não se parece nem de longe comigo

desprende
meus cabelos dos teus dedos
meu olhar do teu olhar
cuida que teus dedos só toquem formas tão macias e frescas quanto o pão

esvazia
esvazia teu corpo de minha densidade
deixa que a luz pura me penetre
e que eu seja transparente como o calor que vem do sol

esquece
meu nome meu sobrenome
apaga
meu rosto da tua cama vazia
desprende
meus pelos dos teus dentes

me deixa
pois só assim me reconhecerás

terça-feira, 13 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 10

poética

reconhecer o poema
onde não estaria
se atirar como fera
com a alma vazia
sobreviver ao viver
dia após dia
e de tudo isto fazer
uma nova poesia

sábado, 10 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 9

situação

seremos
chamados pelo tempo
convocados pelo destino
vencidos pelo cansaço
vergados pelo peso
tomados pelo medo
mantidos em silêncio
marcados pela vida
esquecidos em algum canto
dominados pelo pranto
jogados para fora
fechados no escuro
presos em separados
mas invariavelmente
resistiremos

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 8

trouxe esta flor para te ofertar uma flor

eis à sua frente
dentre todas as flores
a que mais se parece com um animal

suas patas são martelos
como as patas de um animal
suas garras são tesouras
como as garras de um animal

eis à sua vista
dentre todas as flores a flor
que exala em sangue e cheiro o sangue e o cheiro de um animal

suas patas pesadas são martelos
suas garras afiadas são tesouras
seus silvos são longos e curtos

suas cores
como as cores de um pavão iluminado
são a demonstração do seu poderio

e ai daquele que desavisado
penetrar sozinho em seus domínios
mesmo se sobreviver para estar com ela
mesmo tendo passado por todos os perigos

trouxe esta flor para que um dia eu possa te mostrar uma única e verdadeira flor

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

poemas da caixa de papelão 7

de repente eu descobri 
que o verso é 
no fundo 
mudo

e nada nesse mundo é tão mudo

pois mesmo que em versos
se tenha dito algo
nunca em versos
se terá dito tudo

e esta fraqueza do verso
embora me cause algum espanto
não me destrói na alma o encanto
de escrever poesia

pois minha poesia é de versos

e deveras às vezes 
ela é apenas uma voz
mas diversas vezes 
ela chega a ter encanto

poemas da caixa de papelão 6

eu estou longe de casa
sem dar contas do que faço
e os dragões do meu destino
me alimentam com seus passos

meu caminho é muito longo
pra quem para nos sinais
consciências que não andam
entre o que havia
e o que não existe mais

eles disseram que o tempo era curto
e agora esperam este tempo passar
na sala sentados se matam por pouco
pela simples razão de estar
de estar
de estar

eu estou longe de casa
faz um tempo infinito
e os dragões da minha insônia
me alimentam com seus gritos

o meu sono é pesado
pra quem dorme em travesseiros
consciências que não dormem
entre o que sabem
e o que querem esquecer

eles disseram que o sono era pouco
e sonhavam um dia poder descansar
agora eles dormem no fundo de um poço
sem nunca poder acordar
acordar
acordar

eu estou longe de casa
sem paredes que me prendam
e os dragões do meu futuro
me alimentam com sua ausência

minha fome é muito grande
pra quem come de colher
consciências se devoram
entre o que deve
e o que não deve ser

eles disseram que eu era louco
e por esta razão não podiam me amar
agora eles bebem da loucura um pouco
sem nunca poder se curar
se curar 
se curar

domingo, 28 de outubro de 2012

poemas da caixa de papelão 5

levantei muito cedo
e o sol já estava de pé
fui dormir muito tarde
e as estrelas já brilhavam no céu

no outro dia levantei bem mais cedo
e ainda não havia o sol
mas as estrelas brilhavam no céu
e as estrelas brilhavam no céu

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

poemas da caixa de papelão 4

de vocês eu não quero nada

não me dêem o mar não me dêem o sol
que eu não quero ficar triste
quando o calor for tão forte
que arranque ao abismo
cada gota do mar
e as águas voando
mais que nuvens então
serão graves mortalhas
a todo raio de sol

terça-feira, 23 de outubro de 2012

poemas da caixa de papelão 3

na ausência de Mônica

Mônica
a ti conheci como febre
depois do sol
com gosto de água 
salgada ainda

e quando te vi
redemoinhos nasceram em minhas pálpebras
que viviam enterradas em sonhos
beijando meus travesseiros polidos

passei a possuir gestos claros
vontades melhores
encantos em demasia

brotavam estas e outras coisas
de um outro eu
de mim cresciam

e os pés e as mãos de Mônica
narravam aventuras conhecidas pelos sabidos
nas quais os idiotas morriam decapitados

e do pé de pés de Mônica
onde embora não houvesse fruto
nem sementes nem folhas verdes
tudo era polpa tudo crescia

e Mônica
eu te queria

mas morreram gestos
e nasceram estrelas
e sumiram gentes
e Mônica passou a ser distante como a terra
desde as entranhas
desde as amídalas

e em seu conhecimento puro
a terra passou a ser para ela caminho
e solidão para mim vontade e fim
e ela a viver longe de mim

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

poemas da caixa de papelão 2

Jean-Paul e os esqueletos

no meio da tarde
há muito vazia
um louco sentava
no banco da praça

falava sozinho
ou com seus botões
que botões não carecem
de respostas precisas

de longe se via
a estranha figura
sentada falando
com seus esqueletos

tinha um que ficava
à sua direita sentado
fora um dia seu pai
que há muito partira

que lutara na guerra
não na sua guerra
que morrera na luta
não na sua luta

tinha um outro sua mãe
que fazia crochê
com agulhas e linhas 
de um remoto passado

a família reunida
na mesa ela via
e enquanto lembrava
chorava chovia

tinha um no seu colo
que fora sua irmã
que fugira de casa
e até hoje fugia

que com todos deitava
e barato cobrava
e enquanto trepava
chorava chorava

e no fundo da praça
onde a vista não via
tinha um outro chorando
chovia chovia

o seu choro chorado
a todos comovia
e este era ele
mas ele não sabia

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

poemas da caixa de papelão

lua azul
a lua solitária
vagando lá no céu
foi quem me ensinou
eu não sabia

eu li todos os livros
eu vi todos os filmes
ouvi todos os discos
aprendi geometria

mas a lua solitária
só no firmamento
se abriu em um momento
no que eu não conseguia

ver que onde está o homem
a sede é muito grande
a fome é muito grande
e já existia

a lua solitária
passeando no azul
me ensinou a improvisar
como no blues

a lua solitária
vagando ao léu
me ensinou a flutuar 
como no céu

a lua solitária 
sozinha a vagar
foi quem me ensinou
o só também pode brilhar

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

poemas de certo amor 14

um incêndio me queimava os intestinos
sal de frutas jurubeba chá de boldo
beberragem não havia
que acalmasse essa avaria
cármica
a causa desse mal não era orgânica
era orgásmica
destempero
do teu erro
minha azia
você jogou a toalha muito cedo

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

o poeta e os homens 9

sim eu posso compreender os rios e o mar

sim eu posso compreender os rios porque são estrada e corpo numa única pegada
porque nunca passam
porque nunca ficam

sim eu posso compreender o mar
que acolhe um rio em seus braços como se fosse
obrigado a fazê-lo
sem nenhuma pergunta

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

escrita automática 10

odeo à televisão

todo o primeiro pensamento é sobre pensar que se está pensando
e aí há um segundo pensamento sobre o nada
é quando se pensa se se pode ficar sem pensar
e também se 
pensar que não está pesando é uma forma de se pensar em algo

passado este momento
em que o pensamento é por assim dizer puro
chega o momento de paramos de pensar
e de ligar o televisor
que é uma máquina eficientemente projetada para aniquilar o pensamento
e viajar nas ondas
que foram programadas
para este fim

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

poemas de certo amor 13

o cavalo que morreu na enchente

1.
talvez por falta de pasto
ou curiosidade eminente
o cavalo adensou-se ao rio
cavalgando como um peixe
do casco ao dorso inundado
onde o rio dava a vau
num esforço sobre-humano
ou até sobre equinal
fez sua casa seu quintal

2.
o cavalo chegou a ilha
com o orgulho de Colombo
e ao pisar a sua américa
ali firmou sua bandeira
de matéria tão orgânica
que sequer tremularia
mas mostrou sua presença
transportando pelo vento
todo o olor de sua essência

3.
ilha e cavaleiro cavalo
agora era como um só
ele a amava por seu chão
ela por não estar mais só
assim foi que prometeram
numa noite em que chovia
que se um deixasse o outro
aquele que ali ficasse
atrás do outro partiria

4.
mas a chuva engorda rio
como carne engorda gente
e assi foi que o rio
enchendo-se (gordura de água)
rebentou-se numa enchente
que fez o cavalo ilhéu
prisioneiro como a gente
que vela sua prisão
na própria casa da gente

5.
o cavalo chorava rios
mas o rio tinha certeza
ajudado pelo choro
mais depressa engordava
foi quando o povo todo
vendo o desespero cardo
tentou numa luta em vão
salvar o pobre cavalo
da morte proeminente

6.
o povo não entendia
porque era que o animal
padecendo da ajuda
mais ainda se espantava
parecia que queria
como alguém que partiria
não deixar o seu torrão
por que deve um homem sempre
morrer na terra natal

7.
foi então que a água toda
avolumou-se numa só
e cobriu a irta ilha
como se fosse um cobertor
arrastando o tal cavalo
para as terras de além
como se fosse um navio
um navio de casco furado
que fosse a pique por fim

8.
depois de tudo acabado
quando a chuva enfim parou
encontraram o corpo-cavalo
bem longe do seu amor
inchado roído de peixe
de olhos esbugalhados
abertos fitando o céu
como sempre fitaria
o olhar de qualquer amado

9.
mas se diz que sua alma
nas noites de chuva grossa
vem cobrar uma promessa
da ilha tão mentirosa
cavalgando a noite escura
no dorso da ilha-cavalo
que nunca dali partiu
atrás do equino amado
que na enchente sumiu

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

poema concreto 4

não ode

en     trea     tin     ta     da     má    qui     na
ea     fo        lha    de    pa     pel

o      poe      maé  im    pre    sso

o      poe      ma    éex   pre    sso

o      poe      maé  im     pren  sa     do

ea    lém      dis     s(só)

o      poe     maé   im     pre    ssão

o      poe     maé   ex     pre    ssão

                           im     pre    ci     so

                           di      ver    so

                           in      ven    to

                           sem   pres   sa

o      poe     mau   ten     ti(ti)   ca

o      poe     maé   in       ten    so

                           em     ten    são

o      poe     maé   o       preço

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

poemas de certo amor 12

maior amor

quando eu perder o equilíbrio
tentando atravessar
em dia de vento
sem rede sem cinto
de um prédio pro outro
sem corda ou arame
em cima de um fio
e quebrar o pescoço

meu último pensamento
será pra você

sábado, 8 de setembro de 2012

poemas de certo amor 11

há cinco anos que não faço a barba
e vou ao supermercado e pergunto
para que servem essas coisinhas
quando olho
                quando esbarro
                                     com o carrinho
                naquelas
praqueles aparelhos em forma de T
                que te prometem um imenso carinho
de fazer a barba

mas eu tenho ido ao barbeiro
com alguma frequência uma vez por mês
                pelo menos
porque gosto da minha barba aparada
                 e não sei
                             aparar a minha própria barba
                             que não para e não fica parada
                             de crescer
                 como me livrar do barbeiro

cinco anos indo ao barbeiro
frequentemente uma vez por mês pelo menos
sinceramente é um bocado de tempo
pra você saber
                   do que é que os barbeiros falam
                   o que é que os barbeiros comem
                   quantos filhos tem o barbeiro
5 anos          pra que time o barbeiro torce
                   e aprender
                   perguntar
                   concluir
que a gente nunca vai se livrar
de barbeiro
enquanto tiver barba sempre
ou tiver cabelo quase sempre
que crescem

há cinco anos que não faço a barba
há cinco anos amo a mesma mulher
e não faço a barba
porque minha barba quando está crescendo
ao meu amor
fere

domingo, 2 de setembro de 2012

poemas de certo amor 10

doce carinho

a esta hora da noite

ainda

       lavas a louça

       enquanto

durmo

                         a esta hora da noite

        pressinto

        a tua mão

        a receber detergente

                        a acariciar meus cabelos

                        estão

a esta hora da noite

o resto de comida no prato

já seco

e o raspas          tuas mãos

com a colher       teus dedos

                                que entram debaixo das unhas

                        a acariciar meus cabelos

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

homenagem 6

Dante
a coisa mais óbvia que se pode dizer sobre Dante
é isto
todo mundo já leu Dante
todo mundo já escreveu sobre Dante

Eliot escreveu um ensaio sobre Dante
Pasternak lia Dante no banheiro
Enzensberger escreveu um poema sobre Dante
Ezra Pound leu Dante a ponto de imitá-lo
e Dante Milano
que não era alegre nem Alighieri
traduziu Dante
quase tão bem quanto Cristiano Martins

eu não li Dante
comecei uma vez
mas no meio de caminho
minha vida que já era um purgatório
foi se transformando num inferno

ah
e eu perdi o livro na Estação Paraíso
uma vez quando fui a São Paulo

terça-feira, 21 de agosto de 2012

poemas de certo amor 9

corcovado
em cima do morro
um cristo
de concreto e aço

dentro de mim
um outro
de carne e osso

entre os dois a cidade
você
e tantas outras coisas que eu queria esquecer

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

escrita automática 9

a verdade é que na sexta-feira eu peguei uma infecção que se parece muito com os sintomas da guerra bacteriológica
fui a um clinicologista mas o médico disse que não era nada
estou tomando antibióticos que eu detesto 
mas já me sinto bem melhor

se não era nada porque os antibióticos

o próximo passo é examinar meu exame de sangue e descobrir se os glóbulos brancos existem em quantidade suficiente para me proteger do mal
meus olhos estão vermelhos
meu nariz está escorrendo
mas nada disso tem a ver com o último fora que você me deu

o que eu não gosto mesmo é de usar essas máscaras cirúrgicas 
mas tenho 
todas as vezes em que abro uma correspondência

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

domingo, 12 de agosto de 2012

escrita automática 8

a velocidade com que certos segredos se espalham
as regras do jogo são as seguintes
se não há nada a dizer
não diga nada
mas se você tem algo para falar
diga tudo em forma de poesia

tome cuidado com o ritmo
não use palavras em vão
          palavras andam por aí a solta
          mas não são fáceis de concatenar

ah
e você pode até dizer para alguém
     eu já te disse que você tem belas mãos?
afinal de contas nem tudo é poesia
mas não pense que isso é poesia

transforme o pensamento
pense muito para transformar
este é o segredo do pão

terça-feira, 7 de agosto de 2012

escrita automática 7

aquilo o que mais me interessava
olhando as faces dos outros
aprendi a me olhar no meu olhar

comecei a pensar
na tristeza
              poesia
e que os olhos dos outros
com os meus próprios olhos 
se 
pareciam

passei muito tempo folholhando as revistas
mas não lia 
as notícias

não me interessava

por nada que fosse absurdo
nada que não fosse possível 
nada que não fosse real

reflexões profundas no espelho
era isto o que mais me interessava
e o que estava escrito
no comercial que tem a pomba que voa
no Atlas
no Grande Atlas da Anatomia Ocular

segunda-feira, 30 de julho de 2012

primeiros poemas 7

o poema é concreto e o homem não tem conserto

no dia em que deus criar uma flor de concreto
o homem com inveja construirá 100 prédios de celulose

sexta-feira, 27 de julho de 2012

primeiros poemas 6

Lorca

ele escutou o chamado do seu coração
nas roupas de Lorca havia uma bandeira desenhada

     te espero amanhã para um copo em Granada
e se eles disserem que não
te espero assim mesmo para um copo em Granada

ele atendeu ao apelo das mãos
     e isso era um compromisso muito sério     
no sangue de Lorca havia uma alma misturada

     debaixo das roupas e dos lençóis muito brancos     
ninguém entendeu como ele a importância do ouvido
e a quantidade exata de sentido nas palavras

e se eles disserem que não
te espero amanhã para um copo em Granada
mesmo que eles digam que não
te espero assim mesmo para uma gargalhada

terça-feira, 24 de julho de 2012

primeiros poemas 5

cidade íntima
a rua em que não morei
abriga o sonho que não tive
a vida que não vivi
e tudo aquilo que de fato existe

a casa que não conheci
esteve sempre dentro de mim
como tudo o que não vivi
mas não me foi possível sabê-lo

imaginem o meu desespero
ao descobrir que depois de uma esquina
o cadáver que não suicidei
se estende por bairros e bairros

)os sonhos se propagavam
(e ainda são inúteis um pouco)
na distância que liga as ruas
nos meus dedos que não tocam piano(

mas o pior é saber     disso tudo    
que na rua que não projetei
na casa em que não vivi 
talvez eu fosse feliz

sábado, 21 de julho de 2012

o poeta e os homens 7

Disneylândia
eu não vou a Disneylândia
com medo do Mickey Mouse
com medo que Mickey Mouse
me diga que ele é um homem
me diga que não é um rato
e que tudo é fantasia

eu não vou a Disneylândia
com medo do Papai Noel
de encontrar Papai Noel
gastando dinheiro em Orlando
enquanto os duendes trabalham
fazendo os brinquedos bonitos
que ele vende no Natal

domingo, 8 de julho de 2012

estar no mundo 11

sou eu
serei apenas eu
ou será
que ninguém mais
consegue resolver nada
pelo telefone

eu já tentei amor
mas as linhas estavam
ocupadas

entrega de comida
mas as linhas estavam
cruzadas

massagem em casa
e do outro lado havia
um sujeito desequilibrado

remédio pra labirintite
ninguém entregava

eu procurava alguém
que me escutasse
sensível
a tamanha depressão

mas os telefones
não foram projetados
para resolver os problemas
quando muito 
no máximo
excomunicá-los

quarta-feira, 4 de julho de 2012

poemas sortidos 12

Paulo Coelho

o mar é dos sargaços

voar é com os pássaros

não se deve tentar matar a sede 
com água salgada

e nem pular
da beira do abismo

quinta-feira, 28 de junho de 2012

estar no mundo 10

labirintite
hoje acordei labirinto
meio assim
Minotauro
             Teseu
apenas estas paredes frias a minha volta
que se multipartem
e me multiplicam
em muitos tantos outros pedaços

ao meio dia não tenho sol
não tenho sol ao cair da tarde
não tenho sol

assim meio assim
sem ter um prego um espelho
uma parede pra me pendurar
hoje acordei meio tonto
                                zorro
um fio de Ariadne estendido sobre o abismo
que liga o nada ao nada

sexta-feira, 22 de junho de 2012

sobre poesia 11

fábula

certo poeta imaginou
que bastaria um poema
para explicar
tudo

passou toda a vida
escrevendo um poema
um longo poema
mudo

quarta-feira, 20 de junho de 2012

poemas diversos 7

nenhum azul

adoro azul

eu já pensei um monte de poemas sobre a cor azul
não sei por que não escrevi nem um

inventei uma nova cor
azul nenhum

quinta-feira, 14 de junho de 2012

o poeta e os homens 6

hostis

eles andaram escrevendo um monte de besteiras
e colocando na caixa do correio junto com a correspondência

outro dia atiraram uma pedra
que atravessou a janela da sala
e caiu dentro do aquário

eles escreveram com spray
a sua insígnia
em todas as quatro portas
e pintaram as paredes com palavrões

o funeral do peixinho dourado
que está guardado no congelador
será nesta tarde de domingo
todas as crianças estão convidadas

terça-feira, 29 de maio de 2012

poemas de certo amor 8

instantes
agora mulher
atento
reinascendo
amordeço o mundo
velejando o teu corpo

e

depois mulher
contente
guardioso
amordaço o mundo
vigiando o teu sonho

quinta-feira, 24 de maio de 2012

poemas de certo amor 7

vinho com vinagre
1. te vejo em todas as coisas

mas é necessário descrever o ambiente
antes de tudo
pois as coisas que estão a minha volta
são uma parte de mim
e antes que eu termine de mostrar o todo
voce já me conhecerá
um pouco
olhando estes livros
arrumados desordenadamente
nas paredes

e voce lerá
um ou outro papel sobre a mesa
como quem rouba um segredo
e gritará de medo (baixinho baixinho)
um suspiro
das coisas que você não sabe

pois bem
devemos ficar calados
e esperar o segredo acontecer
dentro de mim ou de você de nós dois
até que o monstro passe a existir
e já não se satisfaça mais com biscoitos
e  pule dentro da vida
como um louco
que invade um convento de freiras 

2. em algumas delas você se mostra toda

teu rosto me olha de um cartaz
onde anunciam um paraíso de refrigerantes

em cada risco no trânsito teu olhar
me olha
o teu sorriso me molha
quando passa um automóvel
que atropela uma poça d'água

não vi você atrás das grandes colunas
mas com certeza você estava lá
bem pobre quietinha
atrás dos grandes mistérios
aquecendo os mendigos

as tuas mãos são milhares de luzes me dando adeuses de todas as janelas da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro

3. mas em todas as outras você se esconde

entre os dois prédios grandes
há um vão
por onde você pode passar
e chegar
no lugar onde (se você torcer o pescoço
e olhar para o alto
tão repentinamente a partir do chão)
sentirá vertigens
e uma vontade tão grande de morrer
que só pensará em mim
com medo de nunca mais me ter

4. arco-iris : farol a me mostrar o caminho

vem a noite
e o dia
       ia
e a noite vem
o dia passa
vai
e o tempo em que passo
nunca passa
                ia
e a noite vem
e o dia vai
dia e noite
noite e dia

5. para o céu ou para o abismo

haverá um dia
uma manhã de sol
em que serei feliz
sem memórias como um passarinho
acordarei cantando 
e dizendo ao mundo 
que estou feliz
para sempre naquele instante

na certa não será tão logo
o dia em que serei feliz
mas esse dia chegará
em que serei feliz
e eu serei feliz

6. de mim mesmo

vejo a cidade como uma concha
que te abriga
e te protege
como a uma pérola