segunda-feira, 17 de agosto de 2015

poemas da caixa de papelão 39

escrevi meu nome num papel
e coloquei-o numa garrafa
atirei-a no asfalto
pois não havia mar

apenas um bilhete
que continha meu nome
a espera de alguém
que o encontrasse

meu nome numa garrafa
boiando no asfalto
era a prova maior
da minha solidão

e eu a esperar
que alguém a encontrasse
a prova mais verdadeira
de um total desespero

alguém que a encontrasse
teria em suas mãos
o nome de alguém
que só queria mar

mas ninguém a encontrou

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

poemas da caixa de papelão 38

poesia
a minha vida não poderia ter sido outra coisa


não tive mulheres
tive amantes
não tive lembranças
tive saudades
não tive tristezas
tive desencantos
não tive vida
tive existência
não tive esperanças
fui tolo
não tive despedidas
tive adeuses
não tive alegrias
apenas sorrisos

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

poemas da caixa de papelão 37

canção

é como o céu com estrelas ou o ruído do mar o que procuro
é como a noite que vem e o dia que vai quando explodem num mesmo segundo
escreverei com estas letras de sangue e de fogo na pele que me cobre a carne
os que vão morrer hoje ainda devem sonhar com a luz do amanhã

é como o céu que nos cobre e como o ar que nos envolve o que procuro
muitas bocas cantavam as boas palavras mas para sempre foram fechadas
escreverei nesta pedra pra que nunca esqueçamos que não podemos esquecer
os que vão morrer hoje ainda devem lutar pela luz do amanhã

adeus adeus escravidão
deixo o mundo cárcere e as correntes invisíveis
entoo o meu canto e estas se dissolvem num oceano de túmulos e de pó
e vão para onde vão e estão os que se foram e nunca mais vão voltar

é como uma boca pintada de doces batons e claros sorrisos o que procuro
é como um beijo na noite um suspiro um gemido um adeus
quando partir deixarei estas palavras gravadas para os filhos daqueles que ainda vão nascer
os que vão morrer hoje devem ainda viver pela luz do amanhã

domingo, 9 de agosto de 2015

poemas da caixa de papelão 36

ensaios

debaixo do rosto do palhaço
debaixo da tinta
existe uma outra pintura
que lhe cobre a alma
e disfarça a procura que nunca termina
do sorriso exato
que nos contamina

por tras daquele gesto preciso
que faz a bailarina
no final do ato
existe um sem número de outros gestos tortos
que são a procura
daquele salto exato
com que ela termina

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

poemas da caixa de papelão 35

por que os músicos se dão melhor com as mulheres

mesmo que eu falasse a língua dos anjos
diante da tua beleza
eu nada conseguiria dizer

mesmo que eu falasse o dialeto dos deuses
diante da tua esplêndida beleza
eu permaneceria mudo

mas como sou músico
corro para o piano
e componho uma melodia

dizendo tudo
com as palavras da tua cabeça
com as frases do teu coração

terça-feira, 4 de agosto de 2015

poema

eu lavo os olhos de manhã
pra ver o mundo melhor
eu bobo bebo café um pouco
para poder despertar

eu me alimento do mundo
comida ingestão digestão
congestão eu curto essa azia
tomando o sal de frutas da poesia

sábado, 1 de agosto de 2015

poemas da caixa de papelão 34

desencontro certo

certamente eu passarei naquela esquina
e da outra esquina ela acenará pra mim

e nós nos perdermos em tanta rua em labirinto
que existe entre uma esquina e outra

ou quem sabe nós nos procurando um ao outro
esbarraremos um no outro sem nos vermos

ou quem sabe ela me confundirá com outro
ou se confundirá comigo refletido na vitrine

do mesmo shopping onde ela encontrará depois
do nosso encontro o desencontro certo de viver

sexta-feira, 10 de julho de 2015

estar no mundo 18

eu sou um quadrado

quando olho em volta
só vejo cantos

quando ando em círculos
esbarro em quinas

quando olho para os lados
deitado na diagonal

eu só encontro repouso
de um outro ângulo

segunda-feira, 6 de julho de 2015

poemas da caixa de papelão 33

desejo

desejo não é velocidade
mas doce espera
de algo que acontecerá
em uma outra esfera
de tempo
quando não mais houver ferocidade

desejo não termina com um beijo
mas começa
e do começo não se pode ver o fim
mas haverá um fim
e este será quando tudo se consumir

a fome a sede o tempo o juízo
o balé
que se se realiza perfeito
planta mais uma vez o desejo
de um novo desejo

sexta-feira, 3 de julho de 2015

poemas da caixa de papelão 32

encontrei a mulher dos meus sonhos
na feira da quarta-feira

eu vi a cor dos seus olhos
e eram uns olhos de fogo
que me acendiam as bocas
e me chamavam para o amor

puxava um carrinho de feira
em frente à barraca de frutas
o sol ardia como fogo
nas laranjas douradas de fogo

quis me tornar seu escravo
instantaneamente para viver

o amor das entregas
das alegrias doces
da travessia da estrada do inferno
que me consumisse como o fogo do inferno
diante daqueles olhos de fogo

o amor dos maduros
atrás da barraca de frutas
o amor dos cheiros
atrás da carroça de temperos
o amor dos canibais
dentro do caminhão de peixes
o amor das verdades duras
que me consumisse como fogo
tentando apagar o seu fogo

durante muitas semanas
nas feiras das quartas-feiras
eu vi a mulher dos meus sonhos
e desejei os seus olhos de fogo
mas nunca entrei no seu jogo
pra ela
sempre serei um banana

quarta-feira, 1 de julho de 2015

poemas da caixa de papelão 31

olhos de paradoxo

meus olhos têm dois medos
um de noite outro de dia

de dia estão fechados
em eterna agonia

com medo da claridade
que o dia propicia

de noite estão abertos
procurando algum clarão

com medo da escuridão
com que a noite nos vicia

terça-feira, 30 de junho de 2015

poemas da caixa de papelão 30

folhas mortas

quando mulher e homem se separam
as fotografias secretas batidas
(sem que eles soubessem
das suas noites de amor
são reveladas
mas não mostradas

são reproduzidas
nas partes de trás das folhas
mortas que caem das árvores
para a morte das folhas
(que é a mobilidade)

e quando o vento arrasta essas folhas
exibe uma hora o lado da folha (que é folha)
e na outra o outro lado da folha (que é foto)
revelando a nudez da mulher
mostrando as nervuras do homem

nus um diante do outro
eles parecem instantaneamente felizes
na mais profunda intimidade
mas os que passam não param
e nem olham para o chão

e os garis empilham as folhas
e queimam as folhas empilhadas
sem saber ou querer saber
o quanto se pode saber
quando olhamos o lado de baixo das folhas mortas

poemas da caixa de papelão 29

taquicardia

impotente e sem resposta
espero que a parede caia
dançando com o manequim
nu no centro da sala

se os sintomas estiverem corretos
terei que procurar um mágico
pra descobrir que a minha doença
tem cura

segunda-feira, 29 de junho de 2015

poemas da caixa de papelão 28

há uma tristeza em minha alma
não sei dizer o que é
mas diz-se numa palavra
            tristeza

há uma gota em minha face
com gosto de água salgada
de longe se vê como brilha
            uma lágrima

e cá no fundo do peito sinto
um bater estranho às vezes
não é realmente nada
            um defeito

cardiovascular que carrego
desde o meu nascimento
não sei se se pode chamar
            sofrimento

poemas da caixa de papelão 27

folha de jornal não serve pra poesia

tentei escrever poesia
em uma folha de jornal
mas perdi o foco

descarrilei minha caligrafia
enquanto lia e refletia
no que lia
era um anúncio de emprego

tentei escrever um poema
mas a necessidade
bateu mais forte

de modo que perdi o meu tempo
tentando escrever poesia
pessoa enquanto fingia

não querer saber
que precisa-se de balconista
com provada experiência
mas nenhuma em poesia

quinta-feira, 25 de junho de 2015

poemas da caixa de papelão 26

telefone amarelo

se eu tivesse um telefone amarelo
poderia te dizer tanta coisa
que eu não sei dizer

se eu tivesse um telefone amarelo
venceria num discar de olhos
a distância
               inter
                     urbana
que nos distancia

se eu pegasse meu telefone amarelo
que não existe
mas existe em sonho
e se ele funcionasse com no sonho

certamente eu te ligaria todos os dias
para te dizer todas as coisas
que eu queria que você ouvisse

só que eu não tenho um telefone amarelo
e se tivesse talvez até não te ligasse
com medo de ouvir você dizer educada
no momento estou ocupada

terça-feira, 12 de maio de 2015

poemas da caixa de papelão 25

abandono

meus dedos acordam
e tateiam o vazio
o meu amor me deixou

procuram procuram
e encontram o frio
no lugar do meu amor

sexta-feira, 27 de março de 2015

poemas da caixa de papelão 24

limites

dentro de um coração em chamas
havia palavras que não se afogavam
palavras sujas
palavras benditas
palavras sobre palavras

palavras que se precipitavam
mas de repente passavam
pois nem sempre é dado tempo ao
que necessita de tempo
e mesmo o fogo que é fogo
um dia se apaga

dentro de uma mente brilhante
havia versos que se chocavam
mas no fundo o mundo
os queria mudos
e os ouvidos para ouvi-los
não se criaram

é sempre assim
quando se tenta dar palavras ao amor
do amor só se consegue calar

domingo, 22 de março de 2015

poemas da caixa de papelão 23

do amor

a alma procura o outro
o amigo
a amante

percorre a cidade as ruas
sujas
incontáveis
escuras
à procura do outro

desce até o inferno
e mesmo ao céu
pode ser alçada
nesta vã tentativa
nesta louca empreitada

a alma
procura aquela que
ascenderá a vela
e iluminará o quarto
partilhando o espanto

e revelada a cura
manterá a calma
pois será o amigo
e será a amante

o corpo
é muito
por demais preguiçoso
mas é forçado a seguir
vivendo
nesta eterna loucura
nesta mesma procura

terça-feira, 17 de março de 2015

poemas da caixa de papelão 22

dupla demência

1.
na praça
um pombo que passa
dá o ar de sua graça
e pousa em meu dedo

eu falo com ele
e ele me entende
lhe conto um segredo
e ele me entende

na praça
as pessoas que passam
talvez por ter pressa
até acham graça

talvez por inveja
elas não compreendem
um homem e um pombo
falando igual gente

2.
na praça
um homem que passa
me estende o seu dedo
e eu pouso sem medo

ele fala comigo
e eu não entendo
mas balanço a cabeça
talvez por ter pena

na praça
sobre nossas cabeças
há uma nuvem que passa
gritando os segredos

de infinitos milagres
e só eu a entendo
pois ela fala comigo
a linguagem dos ventos